Elas já foram sinônimo de poluição, mas não mais. Saiba como as fábricas de algumas empresas que aderiram à onda do “aterro zero” estão se reinventando para que essa imagem fique no passado
São Paulo – A americana P&G, uma das maiores empresas globais de bens de consumo, anunciou recentemente com alarde que 48 fábricas, de um total de 158 que tem por todo o mundo, realizaram a façanha de não enviar mais para aterros sanitários sequer 1 grama de lixo.
Entre elas a fábrica da companhia em Manaus, que desde 2012 converte o lodo de sua estação de tratamento de efluentes em combustível para fornos de cimenteiras e reutiliza rebarbas das hastes das lâminas da Gillette, antes descartadas, na produção de novos aparelhos de barbear.
O anúncio da P&G é fruto de um movimento que começou lá fora há menos de uma década e vem ganhando força no Brasil: a onda zero waste, por aqui chamada de “aterro zero” ou “resíduo zero”.
A primeira fábrica da P&G a abandonar os aterros foi a de Budapeste, na Hungria, em 2007. Outras companhias, como a empresa química DuPont e a montadora GM, entraram na onda logo depois. Todas elas motivadas por uma razão pragmática: nos países ricos, o custo da disposição dos resíduos em aterros está cada vez mais alto.
Na Europa, desde 2004 a legislação ambiental impõe uma série de impostos sobre a prática. Lá, o preço médio que uma empresa paga hoje para aterrar 1 tonelada de lixo é 140 euros. Aqui, mandar o lixo para os aterros é bem mais barato: o valor oscila de 60 a 120 reais por tonelada devido à concorrência desleal com formas inadequadas de disposição, como lixões clandestinos.
Há, porém, uma tendência inexorável de que esse custo suba e, por isso, as empresas estão se mexendo. Além disso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010, prevê que as companhias façam uma gestão mais criteriosa de seus resíduos. Outro fator é que a maioria não quer ter suas fábricas associadas a imagens de poluição e sujeira.
Na corrida rumo ao “aterro zero”, as empresas no Brasil estão em estágios diferentes de evolução. A fábrica da P&G em Manaus é a única da companhia no país que já se livrou dos aterros, mas suas outras quatro unidades localizadas aqui devem se juntar ao grupo em breve — todas têm um índice de aproveitamento de resíduos igual ou superior a 80%.
O desempenho da Ambev, que tem 36 fábricas, é ainda mais surpreendente. Sua unidade de Manaus já reaproveita 100% dos resíduos, e todas as demais estão prestes a chegar lá. O que move a companhia de bebidas não é só o desejo de não mandar nada para aterros. Os gerentes das fábricas perseguem metas agressivas de geração de receita a partir de tudo o que sobra da produção de cervejas e refrigerantes.
Rico em proteínas, o bagaço de malte, um subproduto do mosto — mistura de água, malte e lúpulo que forma a base da cerveja —, é vendido a fabricantes de ração animal. Com essa e outras práticas de reaproveitamento, 96 milhões de reais foram adicionados ao caixa da empresa em 2012. “Somos pressionados para que essa receita cresça a cada ano”, diz Beatriz Oliveira, gerente de meio ambiente da Ambev.
Na montadora Fiat, não há pressão da direção para que os resíduos se convertam em dinheiro, mas uma diretriz para que sejam feitos esforços a fim de não enviá-los a aterros. A fábrica de veículos na cidade mineira de Betim é “aterro zero” desde 2011, e a que produz motores, em Campo Largo, no Paraná, reaproveita 99,5% dos resíduos.
Para isso, a empresa montou nas duas unidades o que batizou de “ilha ecológica”: um galpão no qual dezenas de materiais são separados e então encaminhados a empresas recicladoras. Há até mesmo uma máquina que reduz em 50 vezes o volume do isopor para que ele seja vendido a fabricantes de solas de sapatos.
Já na segunda fábrica de veículos da Fiat, que será inaugurada no final de 2014, na cidade de Goiana, em Pernambuco, os engenheiros terão de lidar com a falta de recicladores confiáveis. O Nordeste, junto com o Norte, é a região com a menor oferta de empresas de reaproveitamento de resíduos do país.
“Há muita gente que cobra para receber o material das empresas, mas deposita-o em terrenos baldios”, diz Carlos Silva Filho, diretor da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
Para empresas de mineração e siderurgia, o entrave é outro: a falta de tecnologias para o reúso de resíduos complexos. Desde 2011, a Votorantim Metais produz com as sobras da exploração da jazida de zinco de sua unidade de Paracatu, em Minas Gerais, o pó calcário agrícola, usado para corrigir a acidez do solo. Mas ele é apenas um dos resíduos gerados pela empresa.
Para os outros dez que ela produz — cerca de 6 milhões de toneladas por ano —, a solução ainda não existe ou é economicamente inviável. A lama terciária, resíduo da unidade de zinco localizada na cidade mineira de Três Marias, poderia ser usada na produção de cimento, mas para isso a empresa precisaria construir uma fábrica de 200 milhões de reais.
“Estamos pesquisando maneiras de reduzir esse valor”, diz Ricardo Barbosa Santos, gerente de sustentabilidade da Votorantim Metais. A empresa anunciou a meta de se livrar dos aterros até 2020. Para isso, nos últimos cinco anos foram investidos 25 milhões de reais em pesquisas.
É um gasto que compensa: a venda de sobras já rende quase o triplo, 70 milhões de reais por ano. “Ninguém mais duvida de que transformar os resíduos em novos produtos é uma oportunidade de negócio”, afirma Santos. Ou seja, é uma espécie de toque de Midas no lixo.
Fonte: Exame Sustentabilidade (http://goo.gl/AzWCPE)