Os compromissos olímpicos para o meio ambiente assumidos pelo Rio no dossiê de candidatura para os Jogos Olímpicos de 2016 foram todos descumpridos.
O tratamento do esgoto lançado baía de Guanabara não avançou nem metade do prometido. A lagoa de Jacarepaguá, que margeia o Parque Olímpico, continua fétida e assoreada.
Nem mesmo o plantio de mudas na Mata Atlântica, de simples execução, foi concluído como prometido. O sonho de abrir a Lagoa Rodrigo de Freitas para banhistas foi abandonado.
Dificuldades financeiras, de gestão e até novos critérios justificam o abandono dos compromissos feitos ao COI (Comitê Olímpico Internacional) no Dossiê de Candidatura da Rio-2016. O documento de 614 páginas usava o legado dos Jogos como um dos principais ativos para trazer o evento pela primeira vez para a América do Sul.
Agora, o Rio conta com a sorte para não ocorrer, por exemplo, uma mortandade de peixe na lagoa que margeia o Parque Olímpico.
Em setembro do ano passado, cerca de uma tonelada de peixes mortos foi retirada das águas da lagoa.
À época, a Secretaria do Ambiente atribuiu o fenômeno aos fortes ventos que atingiram a região, o que remexeu a matéria orgânica do fundo da lagoa, formada pelo esgoto lançado ao longo dos 40 anos de ocupação sem saneamento básico na zona oeste. Isso liberou gases tóxicos, reduzindo o oxigênio para peixes que ainda sobrevivem na região.
De lá para cá, pouco avançou. A drenagem da lagoa, orçada em R$ 673 milhões, teve licitação suspensa por suspeita de cartel e foi paralisada após questionamentos do Ministério Público.
“A lagoa não é mais uma latrina. É um túmulo. Tem que rezar para que não chova, não vente, para que os gases não sejam eliminados do interior da lagoa e não gere uma mortandade de peixe na Olimpíada”, disse o biólogo Mário Moscateli, que contribuiu com o plantio de mudas no mangue da região.
A retirada de cerca de 5 milhões de metros cúbicos de matéria orgânica do fundo da lagoa ajudaria a melhorar a qualidade da água. A solução definitiva, porém, depende do saneamento básico da região, que ainda lança esgoto sem tratamento na lagoa.
O sistema que vai atender à região da Vila dos Atletas ainda não está pronto. A Cedae promete concluí-lo até 15 de julho. Enquanto isso, os vizinhos do Parque Olímpico ainda despejam o esgoto produzido nas águas da lagoa de Jacarepaguá.
Sem saneamento básico em suas casas, mais de 100 mil pessoas de bairros próximos ainda lançarão o esgoto nas lagoas após os Jogos.
BAÍA DE GUANABARA
O tratamento do esgoto lançado na baía de Guanabara, local das competições de vela, é também um dos principais símbolos do fracasso do legado ambiental. A Olimpíada foi apontada no documento como uma forma de acelerar o projeto, debatido desde a década de 1990.
O objetivo de limpar 80% do esgoto produzido pelas 9 milhões de pessoas que vivem no entorno da baía não chegou nem perto da meta.
A capacidade das sete estações de tratamento instaladas subiu de 16% para 48% do esgoto total produzido, mas a ausência de tubulações que levem o material até elas faz com que operem abaixo do limite.
A Secretaria do Ambiente não estabelece mais prazo para atingi-la. A pasta diz que seriam necessários R$ 12 bilhões para universalizar o saneamento nos 15 municípios do entorno -recurso inviável num Estado em crise.
Apesar dos problemas, a secretaria diz que as áreas de competição da vela têm condições adequadas para a prática esportiva.
A meta de plantar 24 milhões de mudas também não foi atingida. O Rio recebeu apenas 5,5 milhões de novas árvores. A Secretaria do Ambiente diz que buscou compensar a emissão de carbono dos Jogos de outras formas.
A Lagoa Rodrigo de Freitas melhorou a qualidade da água em relação a 2009. Contudo, a meta de atrair banhistas foi abandonada pela própria administração municipal. Agora, a avaliação é a de que o objetivo é inviável.
OUTRO LADO
A Secretaria Estadual do Ambiente, responsável pelas ações na baía de Guanabara e lagoa de Jacarepaguá, afirmou que o descumprimento na despoluição dessas áreas foi causada tanto por falta de planejamento como pela crise financeira.
Em relação à lagoa de Jacarepaguá, o Estado afirma que as exigências do Ministério Público Federal fizeram com que o detalhamento do projeto aumentasse o custo da macrodrenagem, orçado inicialmente em R$ 673 milhões.
“A secretaria está fazendo um grande esforço orçamentário, mesmo diante da crise, dando andamento ao detalhamento do projeto executivo para a construção do molhe –estrutura costeira feita por pedras e blocos de concreto– na embocadura do Canal da Joatinga. A intervenção vai possibilitar que a troca se dirija mais para o alto mar, favorecendo a qualidade da água na região”, afirmou a pasta.
A lagoa também está recebendo, segundo o governo, o plantio de 30 mil mudas de mangue para recuperação da faixa marginal da lagoa.
A pasta diz ainda que, em relação à baía de Guanabara, o foco é elaborar “um modelo de governança” para a bacia hidrográfica.
“Dessa forma, evitaremos que os erros do passado não se repitam e a baía não fique mais à mercê da gestão de um período de governo”, afirmou. O objetivo é criar uma agência que reúna as prefeituras dos 15 municípios no entorno da baía, Estado, Marinha e outros atores que têm influência na poluição da região.
A secretaria diz também que o plantio de mudas foi substituído por outras técnicas para captura do carbono. A pasta diz ter feito o restauro de 3.275 hectares da Mata Atlântica, o que corresponde a 69% do total necessário para compensar as emissões de gases poluentes associadas às obras públicas estaduais.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pela Lagoa Rodrigo de Freitas, disse que monitora a qualidade da água com o objetivo de “manter a vida aquática e permitir o contato secundário e os esportes que atendem este critério”. Em 2009, a promessa era deixar a água apta para banhistas (contato primário).
Fonte: Folha de São Paulo (http://goo.gl/jYGWuI)