Foto: Claudio Cunha diz que o isolamento veio para mudar a cultura
Da preocupação inicial com o impacto ambiental à criação de políticas públicas de incentivo ao setor, a chamada sustentabilidade nas construções passou por diversas fases ao longo dos últimos anos. A redução no consumo de água e energia, porém, continua como carro-chefe dentre as preocupações, pois não dá para dissociar isso da preservação da própria vida. O conceito hoje, no entanto, é bem mais amplo.
Segundo o presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário na Bahia (Ademi), Claudio Cunha, tornou-se sinônimo de “bem-estar e felicidade”. Vice-presidente da construtora Civil, Rafael Valente diz que deixou de ser uma tendência para virar realidade, estando totalmente atrelada à ideia de economia de custo e ao compartilhamento das coisas – bicicleta, patinete, automóvel.
Não percamos de vista, no entanto, os números que envolvem a operação e manutenção de uma construção, para termos em mente a importância em se economizar água – ou energia, o que dá no mesmo, pois dois terços da eletricidade gerada no país vêm de usinas hidrelétricas. Durante os 75 anos de vida útil, em média, de uma edificação, quase 80% dos recursos investidos são nessas áreas.
Os dados são do diretor administrativo-financeiro do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Marcos Galindo, que destaca o avanço nas tecnologias disponíveis no mercado – “a partir de 2013, quando os dispositivos de eficiência energética passaram a ser mais difundidos” –, e o próprio barateamento dos produtos com o passar do tempo. E lembra que a sede do Sinduscon, no bairro da Pituba, em Salvador, é um prédio sustentável.
Da cobertura – com área verde que capta água da chuva; passando pelo armazenamento da água da condensação do sistema de ar-condicionado movido a gás natural [renovável, não poluente e bem mais barato], e da água utilizada nas pias que, após ser tratada, é reaproveitada nas descargas dos banheiros. Placas fotovoltaicas instaladas na fachada alimentam a energia das garagens e halls de serviço, relata ele.
Fachada da sede do Sinduscon, na Pituba: prédio sustentável
Sensores externos de iluminação controlam o acionamento de luzes e cortinas das salas do edifício. E tudo isso se traduz em conforto térmico, acústico e “são fatores para economia”, afirma Galindo. “O que você puder economizar de água e energia, o meio ambiente agradece. O sistema brasileiro de energia é todo integrado, a que consumimos pode ter sido gerada em Paulo Afonso [no Complexo Hidrelétrico] ou [na Usina de] Itaipu”, conta.
“Ou seja, são recursos hídricos, é importante preservar a água desses reservatórios. Guardar energia em forma de água. De uma forma geral, as tecnologias de oito, nove anos atrás são as mesmas, só que mais avançadas. O investimento também ficou mais acessível, e isso é algo que se paga com o tempo, considerando o gasto inicial. Mas é o que vai fazer gerar economia ao longo da vida útil de um imóvel”, fala.
Comportamento
Para o presidente da Ademi na Bahia, Claudio Cunha, desde o ano passado, com o aumento das incertezas econômicas, e ainda mais agora com a pandemia, o conceito de sustentabilidade definitivamente voltou-se para “dentro”. Segundo ele, agora é dentro de casa que temos de trabalhar, ter lazer, fazer exercício físico, as tarefas domésticas, interagir, cuidar da família, claro, e do outro. Nas palavras dele, “ser feliz”. “E o imóvel é um dos agentes dessa felicidade”, afirma.
“Esse entendimento cresceu bastante agora na pandemia. Realizamos uma pesquisa nova e vamos divulgar essa semana, na qual é possível perceber a importância de um imóvel para as pessoas, o quão valioso é se sentir seguro em casa. [Está] todo mundo dando mais valor às pequenas coisas, ao mesmo tempo em que contribui com a diminuição do impacto ambiental. Sustentabilidade hoje tem a ver também com mais solidariedade”, afirma.
Diretor de meio ambiente da Ademi e vice-presidente da construtora Civil, Rafael Valente lembra que não só os usuários [consumidores] passaram a valorizar o tema como “fator decisivo de compra”, como o poder público fez questão de estimular as medidas, com base na chamada “outorga”, e a criação de instrumentos como o IPTU Verde, ou o Amarelo [programas de certificação sustentável implementados pela prefeitura de Salvador].
“Se antes era um movimento e nos referíamos como uma perspectiva futura, hoje é uma realidade, que do ponto de vista do consumidor tornou-se fator decisivo de escolha. E é claro que tem a ver com economia de custos, em todos os sentidos, incluindo o compartilhamento de bens, o reuso da água, energia solar”.
Professora do bacharelado em arquitetura e urbanismo da Unime, sócia do escritório Atelier Plural –, especializado em projetos e consultoria com a pegada mais ecológica, Lorena Saab diz que mais do que nunca os trabalhos na área devem levar em consideração o tripé da responsabilidade social, ambiental e da economia “viável”, diz ela. Com atenção especial às soluções, os materiais, as técnicas construtivas. Segundo Lorena, a sustentabilidade “deixou de ser um anexo para se tornar a base de qualquer projeto”, e fala que o tema atualmente desperta “paixão” nos alunos em sala de aula.
“A qualidade das edificações, o bem-estar proporcionado, a valorização da luz e ventilação naturais, a relação do ser [humano] com a natureza. Hoje estamos vivendo a casa como nunca antes. Mesmo com o isolamento, é possível perceber como continuamos dependendo uns dos outros. Houve certamente uma mudança no mundo que deve refletir na forma como vivemos”, fala.
Amorim vê novas tendências na arquitetura
“Essa é uma fase ímpar na humanidade, talvez o único evento planetário que atinge a todos de uma só vez e ao mesmo tempo, depois do meteoro que caiu sobre a terra e dizimou os dinossauros”. A frase é do empresário Carlos Amorim, executivo com experiência nas áreas de meio ambiente e patrimônio histórico, para quem a atual pandemia e o surgimento de novos vírus e doenças têm a ver com a poluição do meio ambiente.
Franqueado da marca CasaCor no estado, Amorim fala que “nenhum outro evento marcou tanto a humanidade como a Covid-19”. “A gripe espanhola levou dois anos se espalhando pelo mundo, de maneira mais lenta, próprio para a época, assim como outras pragas não foram tão bem sucedidas, como o [vírus] ebola. Mas o coronavírus ele é silencioso. E o isolamento veio para mudar radicalmente nossa cultura em relação à não propagação da doença, ao cuidado em não nos contaminarmos nem contaminarmos o outro”, disse.
Para Amorim, a poluição excessiva, o desmatamento, a “falta de regramento tem muito a ver com o aparecimento de endemias localizadas, a pandemia, e eventos similares”. “Agora alcançou uma escala espetacular, e catastrófica. Resultado do desequilíbrio ecológico, da falta de cuidado do homem com o meio ambiente, o excesso de consumo, a quantidade de lixo produzido”.
De acordo com o empresário, é certo que, na pós-pandemia, uma “nova racionalização” pese sobre as pessoas com relação às suas “escolhas”. “E isso inclui a construção civil”, diz.
Design de interiores
Segundo Amorim, a automatização, o uso de tecnologia em segurança, novas “tendências na arquitetura de interiores”, de um modo geral, devem ganhar um significado diferente daqui para a frente.
“As pessoas vão buscar mais autonomia e também mais segurança, para fazer as coisas, poder dar manutenção em casa sozinhas, de maneira mais fácil, então serão novos tecidos, novos leiautes, mobiliário. Com materiais que sujem menos, mais fáceis de limpar. Associado ao uso de energia solar, reuso de água”.
Amigos da natureza
Ainda de acordo com ele é como se o mundo “precisasse mesmo de uma parada”.
“Você pode ver, bastou o homem para de circular por um tempo, consumir menos, e passamos a notar mais pássaros, mais flores, o mar ficou mais limpo, o céu, os lagos, animais antes sumidos estão dando a cara. O mundo estava precisando dar uma parada, para a gente pensar um pouco mais no mundo e como deverá ser a vida daqui para frente. Certo é que precisamos ser mais amigos da natureza”.
Fonte: UOL