Autora: Camila Fagundes
Head de Sustentabilidade e ESG na Ecovalor
Diante do aumento contínuo da temperatura média global, impulsionado sobretudo pela intensificação do efeito estufa, os impactos das mudanças climáticas têm se tornado cada vez mais evidentes em todo o planeta. Secas prolongadas, chuvas intensas, derretimento de geleiras, elevação do nível do mar e eventos climáticos extremos são manifestações diretas desse fenômeno. Nesse cenário, o setor de energia ocupa um papel estratégico, pois é um dos principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa ao lado da agropecuária e do uso da terra.
Globalmente, a matriz energética ainda é altamente dependente de fontes fósseis, como o petróleo, o carvão mineral e o gás natural. Países como Estados Unidos e China, por exemplo, embora tenham investido em energias renováveis nos últimos anos, ainda possuem grande parte de sua produção energética baseada em combustíveis não renováveis. Essas fontes, quando queimadas para gerar eletricidade ou movimentar veículos e indústrias, liberam grandes quantidades de dióxido de carbono (CO₂), o principal gás associado ao aquecimento global.
O Brasil, nesse contexto, ocupa uma posição privilegiada. Diferentemente de muitas nações industrializadas, o país já conta com uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. Em 2024, mais de 80% da eletricidade gerada no país teve origem em fontes renováveis e limpas, como a energia hidrelétrica, eólica e solar. Essa realidade coloca o Brasil em vantagem na corrida global pela descarbonização e oferece uma oportunidade concreta de liderar a transição energética de forma justa e sustentável.

O país tem demonstrado protagonismo nessa agenda, especialmente no campo da geração elétrica. A energia hidrelétrica, historicamente dominante, tem sido complementada por avanços expressivos em energia eólica e solar. Além disso, o Brasil implementou políticas inovadoras, como o RenovaBio1, que estimula o uso de biocombustíveis na matriz de transportes, e tem promovido pesquisas e projetos-piloto em hidrogênio verde e mobilidade elétrica.
Apesar desses avanços, a transição energética no Brasil ainda enfrenta desafios relevantes. Um dos principais é a necessidade de ampliar a descarbonização para além da geração de energia elétrica, alcançando também setores intensivos em emissões, como o transporte rodoviário (majoritariamente movido a diesel e gasolina), a indústria de base e o uso de energia no campo. Esses segmentos ainda apresentam forte dependência de combustíveis fósseis e necessitam de políticas específicas, incentivos financeiros e soluções tecnológicas para acelerar sua transformação.
Além disso, persistem gargalos estruturais que limitam a expansão das fontes renováveis. A infraestrutura de transmissão de energia, por exemplo, muitas vezes não acompanha o crescimento da geração em regiões com alto potencial renovável, como o Norte e o Nordeste. A geração distribuída, embora em crescimento, ainda encontra barreiras regulatórias e econômicas, especialmente em áreas de baixa renda. Outro ponto crítico é a necessidade de investimentos em sistemas de armazenamento de energia, como baterias e soluções híbridas, para garantir segurança e estabilidade ao sistema elétrico diante da intermitência das fontes solar e eólica.
Nesse contexto, não se trata de eleger uma fonte energética como solução única, mas sim de promover um equilíbrio inteligente e complementar entre diferentes fontes renováveis. A energia solar, por exemplo, é abundante em praticamente todo o território nacional e tem custos cada vez mais competitivos. A energia eólica já se consolidou como uma alternativa eficiente e em constante expansão, especialmente no Nordeste. As hidrelétricas, apesar de desafios ambientais e sociais, continuam sendo essenciais para a estabilidade do sistema por sua capacidade de armazenamento e geração contínua. Além dessas, o Brasil também pode avançar em soluções como biogás e biometano, aproveitando resíduos urbanos, agrícolas e da pecuária, e na produção de hidrogênio verde, com potencial de uso doméstico e exportação.
Para acelerar essa transformação, é fundamental observar e adaptar boas práticas internacionais. Países como Alemanha e Dinamarca demonstram que é possível diversificar a matriz energética, investir em inovação tecnológica, ampliar a participação social e garantir segurança energética com base em fontes limpas. Na América Latina, o Chile tem se destacado por metas ambiciosas, estabilidade regulatória e grande atração de investimentos estrangeiros em energia solar e eólica. O Brasil pode se inspirar nesses modelos ao fortalecer sua governança energética, com políticas de longo prazo, incentivos à inovação e maior integração entre governo, setor privado, academia e sociedade civil.
As perspectivas para os próximos anos são bastante positivas. A tendência é que o Brasil amplie sua capacidade de geração renovável, com novos parques solares e eólicos, e fortaleça a geração distribuída em todo o território nacional. A redução dos custos de tecnologias limpas, a maior demanda por produtos e serviços de baixo carbono no mercado internacional e o fortalecimento de instrumentos financeiros sustentáveis, como os green bonds, devem impulsionar ainda mais o setor. Se bem conduzida, a transição energética no Brasil tem o potencial de gerar empregos qualificados, atrair investimentos, aumentar a competitividade internacional e contribuir de forma decisiva para o enfrentamento da crise climática.