De fora, nada indica que naquele galpão industrial, próximo à Marginal Tietê, se produz comida in natura. E no entanto, esse é o produto da Pink Farms. A agritech cultiva folhas e microgreens (brotos de vegetais) na Vila Leopoldina, em São Paulo, por meio de uma tecnologia que combina hidroponia — o cultivo em água, sem solo — e iluminação LED para substituir a luz do sol.
O “pink” do nome vem da luz rosa-choque utilizada, uma composição entre a luz azul e a vermelha que predomina no ambiente interno desta “horta hi-tech”. “Usamos esses dois comprimentos de onda pois são os mais eficientes na ativação da clorofila para a realização de fotossíntese”, diz Rafael Delalibera, 30, um dos três sócios.
O LED permite o cultivo em níveis verticais, ampliando a produtividade (assim como um prédio de apartamentos eleva a densidade demográfica de um mesmo pedaço de chão). Segundo Rafael: “O sistema é 100 vezes mais produtivo, por metro quadrado de chão, do que o plantio convencional, no campo”
Quanto mais alto o pé-direito, mais níveis de cultivo podem ser implementados. No galpão da Pink Farms, com 7 metros de altura (e 750 m² ), é possível plantar em dez níveis. Uma solução líquida circula continuamente pelo sistema hidropônico. “Monitoramos fatores como pH e nível de salinidade. A água é reciclada e constantemente corrigida, para não ter que ser descartada.”
A PRIMEIRA IDEIA FOI CRIAR UM “ELETRODOMÉSTICO PARA PRODUZIR COMIDA”
Rafael e seu irmão gêmeo Mateus estudaram Engenharia Elétrica com ênfase em Automação na Escola Politécnica da USP. O terceiro sócio, Geraldo Maia, 28, é engenheiro de produção formado pela UFSCAR, em São Carlos (SP). Ele trabalhava na Mobly, onde Mateus entrou como estagiário e Rafael depois foi contratado. Logo, descobriram interesses em comum.
“Nós três sempre gostamos de melhoria de processos, de desenvolvimento de produto. O Brasil é muito forte na parte de serviços online, e-commerce, mas em inovação de produto não tem nenhuma referência de peso”
Pensando em empreender, Mateus topou com pesquisas do MIT sobre agricultura em ambiente controlado e o “food computer”, uma solução open source gerada pela Open Agriculture Initiative. A partir dessa tecnologia de código aberto, os três começaram a desenvolver um “eletrodoméstico para produzir comida”. Porém, viram que seria difícil transformar esse produto em um negócio. “O custo de implantação dessa solução era muito alto. E a produtividade era baixa”, diz Rafael.
O tal “eletrodoméstico”, portanto, tinha mais pinta de se tornar “decorativo” do que disruptivo. E o que o trio queria era produzir comida em escala. Assim, direcionaram o foco de pesquisa para a agricultura em ambiente controlado.
OS SÓCIOS ENGENHEIROS RESOLVERAM MONTAR SEUS PRÓPRIOS PAINÉIS DE LED
Em 2016, os sócios abriram a empresa, alugaram um salão de 100 m² em Jundiaí (SP) e iniciaram os testes para o cultivo de alimentos. Debruçaram-se em artigos científicos sobre cultivo de alface, estudaram hidroponia, fisiologia de plantas e tudo que encontraram sobre agricultura em ambiente controlado.
Segundo Rafael, o cultivo em ambiente controlado começou a ser pesquisado entre os anos 1970 e 1980. No início eram utilizadas lâmpadas fluorescentes, que aqueciam o ambiente e tinham custo energético alto. “A tecnologia LED foi se tornando mais barata e mais eficiente, o que passou a permitir que o cultivo fosse feito de forma mais adensada, reduzindo a altura dos níveis”, explica.
Importar a tecnologia, porém, sairia caro, e não havia nenhum painel para esse tipo de produção à venda no Brasil.
“Decidimos montar nossos próprios painéis, construir especificamente para a nossa estrutura. Conseguimos fazer um painel que, por metro quadrado, é cerca de oito vezes mais barato do que o importado”
A solução fazia sentido: sem experiência em agricultura, os sócios tinham bagagem de sobra com engenharia. E assim, investindo R$ 130 mil do próprio bolso, criaram seu próprio sol artificial.
A PRODUÇÃO, TOTALMENTE FECHADA, DISPENSA O USO DE AGROTÓXICOS
No primeiro semestre de 2018, vencido o desafio da iluminação e superada a fase de testes (para afinar luz, temperatura, umidade, CO2, solução nutritiva e sais minerais), era hora de buscar investimento. Em maio, a Pink Farms recebeu um aporte de R$ 2 milhões da SP Ventures, gestora de fundos de venture capital especializada no agronegócio, e da Capital Lab, plataforma de investimento proprietário de capital seed e de risco.
De olho no mercado, os sócios trocaram Jundiaí por São Paulo e, em setembro daquele ano, deram início à operação. Uma curiosidade é que o sistema não utiliza agrotóxico, porque não precisa. Não entra nem uma mosca na plantação — muito menos as espécies comumente consideradas pragas agrícolas. As salas de cultivo, dentro de torres no galpão da Pink Farms, são fechadas, como grandes câmaras frias. Rafael explica:
“O isolamento é muito importante para esse tipo de cultivo, e não só para evitar a entrada de insetos. Qualquer troca de ar prejudicaria o controle da temperatura, da umidade, do nível de CO2”
A produção, porém, não tem certificação orgânica. A política brasileira de orgânicos não prevê hidroponia; nesse sistema, o aporte de nutrientes é feito por meio de de soluções líquidas com ingredientes de origem mineral ou sintética, os mesmos utilizados no sistema de fertirrigação da agricultura convencional.
A TEMPERATURA DAS SALAS GARANTE SAFRAS IMUNES AO CALOR TROPICAL
O ambiente controlado permite manipulações interessantes, como a manutenção do clima e temperatura o ano inteiro, independentemente da estação. Cada sala mantém a configuração adequada à espécie. Na sala de alfaces, é sempre 23ºC durante o dia, e “cerca de 19ºC” à noite.
“As hortaliças, em geral, não são originárias do Brasil, são mais propícias para climas mais frios. No Brasil, tudo que foi feito de melhoramento genético, cruzamentos artificiais para poder tropicalizar essas culturas, foi feito pensando em pragas, em produtividade”, diz Rafael. “As plantas são muito grandes e o sabor não ficou em destaque.”
A fornecedora de sementes é a holandesa Rijk Zwaan, que tem uma subsidiária em Holambra, no interior paulista (uma parceria informal entre as duas empresas permitiu aos sócios da Pink Farms conhecer especificidades da espécie, antes de começar a produção). As safras de alface são ininterruptas, imunes ao calor dos trópicos, e mantêm o mesmo padrão de qualidade o ano todo.
“As plantas da Rijk Zwaan têm um porte um pouco menor, para o nosso tipo de produção elas vão muito bem. Têm um aspecto visual mais atrativo, as folhas são pequenas, o sabor é mais acentuado”
As sementes das espécies que geram os microgreens, por sua vez, são da gaúcha Isla. Ambos os tipos são os mesmos usados para cultivos tradicionais no solo.
OS MICROGREENS JÁ ESTÃO NO VAREJO; A ALFACE DEVE CHEGAR EM SETEMBRO
Hoje, a Pink Farms tem onze funcionários, entre engenheiros, agrônomos, operação, comercial e administrativo. A capacidade atual de produção é de até 30 toneladas de alimentos por ano, com uma torre em operação. Quando as quatro torres que podem ser abrigadas no galpão estiverem em funcionamento, esse número subirá para 135 toneladas. O faturamento estimado até o fim de 2019 é de R$ 200 mil; a estrutura toda tem capacidade para faturar R$ 3 milhões por ano.
Por enquanto, a empresa produz sete variedades de alface e seis tipos de microgreens — vegetais colhidos cerca de dez dias após o plantio e que, segundo os sócios, concentram o sabor e os nutrientes da planta adulta. Essa linha traz rúcula, mostarda, couve, cenoura, alho-poró e rabanete (outras seis espécies estão em desenvolvimento).
Os microgreens já estão disponíveis em empórios na cidade de São Paulo (a embalagem de 30g, com os brotos higienizados, prontos para consumo, varia entre R$ 9,90 e R$ 12); as alfaces devem começar a ser vendidos em setembro. Nos planos da Pink Farms está o cultivo de outras espécies, como morango e tomate, a ampliação da rede de distribuição no varejo e para o setor de food service (restaurantes, lanchonetes) e o lançamento da loja online.
Fonte: Draft