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A JGP vem integrando fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) no seu processo de investimento desde que tomou um tombo com as ações da Vale após o acidente de Brumadinho, no começo do ano passado.
Agora, acaba de concentrar um ano e meio de aprendizados em uma ampla carta aos cotistas de 51 páginas. É um documento com reflexões que podem ser compartilhadas por investidores, gestoras e empresas que estão começando o processo, numa espécie de curso ESG 101.
Do papel social das empresas às efetivas correlações positivas da integração ESG com o desempenho das empresas e do portfólio, passando pelo principal temor dos investidores: o de que o universo investível fique muito restrito no Brasil. A equipe da gestora tratou de todos esses assuntos.
“Encaramos a integração ESG como um processo de aculturamento que deve ocorrer de dentro para fora”, escreveu a equipe na carta.
“Esta filosofia, quando verdadeiramente implementada, impõe, no mínimo um exercício de reflexão sobre qual é o nosso papel enquanto investidores nessa sociedade tão minúscula e interdependente (como demonstrado por esta pandemia)”.
A falha de Friedman
Para entrar a fundo no ESG, a JGP foi buscar as bases teóricas do entendimento de que o papel de uma empresa deve ser a maximização de valor para todos os stakeholders e não somente para os acionistas.
Não é pouca coisa. A lógica subverte a teoria liberal que guiou o capitalismo por mais de cinco décadas, e que teve origem em um artigo escrito em 1970 pelo economista Milton Friedman, professor da Universidade de Chicago e ganhador do prêmio Nobel de economia, em 1970. O título já diz tudo: “A responsabilidade social dos negócios é aumentar seus lucros”.
Friedman argumentava que deveria existir uma separação entre os objetivos das empresas, de dar lucro, e dos indivíduos e governo, nas questões éticas e de costume.
“No entanto isso só seria verdade se esses objetivos fossem capazes de internalizar perfeitamente as externalidades aos indivíduos e empresas, através de leis e regulações. Mas isso não acontece na vida real”, diz a equipe da gestora fazendo alusão a um artigo escrito em 2017 pelo economista Oliver Hart, professor de Harvard.
E a lenda do gestor socialista?
“Não acreditamos que um modelo de stakeholder capitalism possa desembocar em formas de coletivismo como o socialismo, pois justamente as empresas estão buscando uma maneira de se adaptarem a um mundo de menor crescimento, que certamente vai colocar em xeque o sistema capitalista tradicional”.
Foco no que importa — e o risco de se colocar como ‘árbitro moral’
Artigos acadêmicos e uma série de estudos feitos por consultorias em suas respectivas áreas de competência ilustram as correlações positivas entre bom desempenho ESG e fatores como atração de talentos, valor da marca, menor custo de capital e redução de riscos. Tudo isso aponta para uma menor volatilidade na geração de caixa das empresas.
Mas no seu processo, a princípio, a JGP teve dificuldades de encontrar artigos que correlacionassem bom desempenho ESG das empresas com retorno aos acionistas. Na sua maioria, esses estudos eram inconclusivos.
Até que a gestora encontrou um trabalho do professor George Serafeim, da Harvard Business School, que em vez de usar as pontuações brutas de ESG, as cruzou com a matriz de materialidade do Sustainability Accounting Standards Board (SASB).
Em outras palavras, Serafeim correlacionou a pontuação ESG das empresas com os fatores que mais fazem diferença no core business das empresas. (Por exemplo: pouco adianta uma empresa de mineração ter um projeto educacional bem sucedido para determinada comunidade se não tem uma política de rejeitos para barragens).
Os resultados do estudo — feito com dados de 2000 empresas referentes a um período de 20 anos — são surpreendentes.
Como esperado, há uma clara correlação entre score ESG em fatores materiais e a performance das ações. Menos intuitivo é o fato de que as ações que melhor performaram foram aquelas que apresentaram elevados scores em fatores materiais e baixos scores em fatores imateriais.
Em outras palavras:
A gestora alerta as empresas para a importância de cinco passos para dar prioridade em ações ESG:
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Identificar a materialidade das ações
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Estabelecer comitês e políticas
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Definir metas a serem perseguidas com o alinhamento de todos
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Medir, padronizar e dar transparência às informações
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Rever o que não estiver contribuindo quando necessário.
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A definição do que é material para o negócio e os investimentos é essencial ainda para não se cair numa armadilha, diz a JGP: “Acreditamos que sempre deve-se ter o cuidado de não transformar as empresas em árbitros morais da sociedade”, escrevem os gestores. “Se bem feito, as empresas vão associar o bem com a rentabilidade”.
A questão climática — e o impacto no valuation
Para além do desastre de Brumadinho, a JGP só decidiu entrar de cabeça no ESG quando se convenceu sobre a gravidade do aquecimento global provocado pelo homem e seu impacto sobre a economia e os negócios.
E está convencida de que a emissão de gases de efeito-estufa será internalizada, seja via regulação ou por preferências de consumo — nesse último caso, como já se nota nos compromissos de zerar as emissões líquidas de carbono de empresas como Amazon e Microsoft.
A gestora fez um cálculo simples, considerando dois cenários de compensação de emissões de empresas brasileiras. Um deles, com o processo da tonelada equivalente de CO2 a US$ 10, e outro a US$ 60. Na CSN, o impacto na receita líquida pode chegar a 14% ao ano para compensar as emissões.
Na Usiminas e na Engie, calculam, a 12% e 11%, respectivamente. (Os cálculos consideram apenas os escopos 1 e 2 de emissão, sobre os quais as empresas têm controle no seu processo produtivo).
E o meu retorno?
Como o mercado acionário brasileiro é restrito, boa parte dos investidores sempre questiona se, ao reduzir ainda mais o universo, as gestoras que adotam critérios ESG não vão abrir mão de retorno. Ou se a integração ESG não tende a privilegiar empresas com valuations mais salgados, com menor potencial de valorização.
A JGP rechaça o argumento.
Aos números: os analistas da JGP acompanham, de alguma forma, um universo total de 133 empresas listadas no Brasil. Dessas, 112 empresas estão entre as que atendem aos requisitos para entrar na carteira de fundos tradicionais e 96 poderiam ser investidas pelos fundos ESG.
“Nossa opinião é que essa incorporação [ESG] não terá resultados positivos para todos os estilos e gestores por diversos motivos”, diz a gestora. “Mas no nosso caso acreditamos que agregará resultados positivos pela nossa filosofia de investimentos, que focou demasiadamente no ciclo nos últimos anos e nos levou por vezes a investir em empresas de pior qualidade.”
A JGP fez um exercício ajustando dois tipos de erros que cometeu no passado por fatores ESG. O primeiro, investir em empresas baratas na busca de um retorno superior (o chamado ‘erro tipo 1’). O segundo, de tipo 2, ter pouca exposição em empresas de qualidade por julgar que elas estavam muito caras. O retorno melhorou substancialmente.
Além disso, a gestora tem uma carteira que usa critérios mais rigorosos de ESG desde agosto do ano passado, na forma de um fundo exclusivo feito a pedido de um cliente específico, o family office SKP (hoje essa estratégia é replicada no fundo JGP ESG).
Além disso, a equipe da JGP acredita que a maior parte das teses de investimento pode ser expressa através de uma carteira ESG no Brasil. Por exemplo, se imaginar que o preço do petróleo vai subir bastante no futuro, é possível capturar parte desse avanço ao investir em São Martinho, cujo negócio de etanol (suscetível aos preços do petróleo) é cerca de 70% do valor da empresa.
A parte mais difícil
A JGP está trabalhando na construção de um framework ESG quantitativo proprietário para suas empresas, a parte que considera mais trabalhosa de todo o processo. Cerca de 100 perguntas devem ser respondidas nos três quesitos ESG para cada empresa. A ideia é poder comparar pares nacionais e internacionais.
“Muitas dessas empresas ainda não têm essas respostas e mesmo aquelas que já estão mais avançadas não seguem padrões exatamente iguais, demandando ajustes”, ressaltam os analistas.
“Nós optamos por internalizar essa trabalhosa tarefa porque temos hoje os fatores ESG com importância similar aos nossos modelos de DCF ou o entendimento do modelo de negócios das empresas.”
“Do ponto de vista qualitativo, o desafio é bem menos intenso se comparado ao quantitativo, pois temos um bom time de analistas nas áreas de ações e crédito, que têm estudado os critérios ESG em seus respectivos setores e, nesse sentido, existe bastante material disponível.”
Hoje, a gestora adota critérios ESG em todos os seus fundos de investimento, mas tem também a carteira ‘puro sangue’, o JGP ESG, de forma a replicar o que acha que será um mundo ideal para os investimentos num futuro próximo, com baixa emissão de gás carbônico, por exemplo.
A tendência, no entanto, é que vire tudo uma coisa só.
“À medida que evoluamos no nosso processo de análise e aculturamento ESG, acreditamos que nossos fundos tradicionais e ESG tenderão a se tornar cada vez mais parecidos”, aponta a gestora.
Observação: Este artigo representa a opinião da autora Natalia Viri, colunista do site Capital Reset. A Ecovalor entende que o Sr. Milton Friedmann, ao abordar a temática no ano de 1970, levou em conta o cenário econômico, social e ambiental da época, bem como o contexto da sociedade americana daquela década, não tendo a obrigação de projetar a temática no longo prazo. Afora este ponto, a Ecovalor está de acordo com as afirmações da autora, em especial no que tange ao foco da gestão em temas materiais.
Fonte: Capital Reset