Acredite: é possível usar o esgoto doméstico tratado para irrigar plantações. O México faz isso, Israel faz isso, além de muitos outros países. A técnica, se feita com controle sanitário e em culturas determinadas, amplia a produtividade, economiza água e evita a contaminação de rios. Mas, no Brasil, onde quase 70% do consumo de água vai para a agricultura, nada disso é feito.
O principal motivo de não praticarmos o que pesquisas já comprovaram é a falta de regulamentação. “Não temos isso aplicado em nenhuma cidade, que eu saiba. Temos métodos excelentes, pesquisamos há mais de 30 anos. Esses métodos não são tão utilizados na prática porque o agricultor tem água em abundância”, disse em entrevista ao G1 Rogério Teixeira de Faria, professor da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Rogério estudou o uso de esgoto tratado para a irrigação em lavouras do gênero Braquiária, pasto que pode ser cultivado em qualquer lugar do país.
“Vimos o quanto que a cultura responde em rendimento. Aumentou a produtividade em 60%. E o agricultor economizou todo esse nutriente, foram mil quilos de nitrogênio e 600 kg de potássio. Cerca de R$ 2 mil por hectare. Ele produz mais com menor custo.”
O pesquisador também fez um estudo de impacto no solo, que concluiu que a cultura absorvia todo o nutriente. “Não fica no solo e ele vai pra consumo animal. Consequentemente, não polui a água subterrânea. Se economiza 50 mil litros por hectare por dia. É um aproveitamento de 100%”.
O esgoto usado na pesquisa recebeu um tratamento primário e secundário e depois passou por lagoas de sedimentação. “É um tratamento padrão para cidades. Tem tratamentos mais sofisticados, mas esse é considerado de relativamente baixo custo”, disse ele.
O uso dos dejetos tratados requer a proximidade da estação de tratamento com as plantações, mas é possível desenvolver novas estruturas em cidades pequenas e médias que ainda não tratam o esgoto .”No Brasil, 50% do esgoto é tratado. Mas isso vai aumentar com o tempo. Então o que se planeja são estações de tratamento de esgoto que sejam mais completas nas regiões mais desenvolvidas”, disse Rogério.
Outra pesquisa, feita na Unicamp, provou a mesma eficácia na cultura de cana de açúcar. “Tomamos o cuidado de que a forma de aplicação fosse enterrada, gotejamento subterrâneo. Percebemos que não há problemas de contaminação e que o produto foi muito bem em termos de nutrientes, e chegou a dobrar a produção”, disse em entrevista ao G1 o professor da Faculdade de Engenharia Agrícola Edson Eiji.
“Quando você deixa de jogar esgoto no rio, você está eliminando o potencial de poluição desse rio. Pra mim, esse talvez seja o maior valor econômico que se pode tirar daí. E se você pensar que esse esgoto é composto de macro e micro nutrientes e a gente conseguiu 50% do que a planta necessitava, há uma boa economia financeira”, disse o pesquisador da Unicamp.
O que nos falta
Todos esses benefícios precisam ter aprovação legal para serem implementados. “Imagine que você tem o produto de qualidade, mas é impedido de vender porque não tem subsídios legais para a comercialização. Acho que tem uma barreira importante”, explica o professor Edson Eiji.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo confirma que não há normas regulamentando a prática. “Existem, sim, normas sobre uso de efluentes de usinas e de estações de tratamento de esgotos, mas não para o uso de esgoto em uma propriedade rural, onde o produtor pretenda aproveitar o material orgânico na adubação da lavoura. Em qualquer caso, será necessário submeter um projeto à Cetesb.”
“Essa crise hídrica veio para nos educar. Ela está mostrando que o recurso hídrico não é infinito”, disse Rogério.
Fonte: Globo Natureza (http://goo.gl/n0Z1Ym)